1. “Eleição não se ganha, se toma”
Luís Roberto Barroso, magistrado, atualmente é o 61 presidente do Supremo Tribunal Federal. Até 2022, foi o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a instância máxima da Justiça Eleitoral Brasileira. O TSE, juntamente com os TREs, constitui o sistema judiciário eleitoral do Brasil.
No dia 11 de abril de 2023, a frase “Eleição não se ganha, se toma” foi atribuída ao mesmo. Tal declaração foi feita durante a aula inaugural do curso Democracia e Combate à Desinformação, promovida pela Escola Superior da Advocacia-Geral da União.
A íntegra da aula está disponível no link. Na ocasião, o magistrado reiterou que o papel das cortes supremas é justamente a aceitação do pluralismo e a manutenção da vontade das maiorias. No trecho disponível em link, após ironizar notícias falsas sobre uma suposta orgia que ele frequentou em Cuba com José Dirceu, citou a frase, “eleição não se ganha, se toma”
Em vídeo disponível no canal da Câmara dos Deputados, em 09 de junho de 2021, Barroso, em conversa com o Deputado Jhonatan de Jesus, filho de Mecias de Jesus, ambos do estado de Roraima, proferiu a frase “Em Roraima, eleição não se ganha, se toma”, fazendo referência a reclamações feitas por Mecias, senador do estado. Nessa ocasião, Mecias havia lhe dito que antes da implantação do voto eletrônico, as eleições “lhe foram tomadas” duas vezes. Em vídeo amplamente divulgado, a palavra “Roraima” foi suprimida.
Uma pesquisa do Senado brasileiro apontou que, atualmente, 79% da população tem o aplicativo de mensagens WhatsApp como principal fonte de notícias. A desinformação, portanto, tornou-se uma estratégia política.
2. Supostas discrepâncias de dados fornecidos pelo STE e indisponibilidade de acesso aos dados brutos
Desde 1997, a Lei das Eleições já determinava que partidos e coligações deveriam fazer parte da fiscalização de todas as fases do processo eleitoral, incluindo a votação e a apuração das eleições, bem como o processamento eletrônico da totalização dos resultados. A legislação em questão pode ser consultada no artigo 66 da Lei n. 9.504/1997. O processo eleitoral é aberto à fiscalização de mais de uma centena de entidades representativas da sociedade civil, as quais podem verificar os boletins de urna (BU), o Digital do Voto (RDV) e o log de urnas em até 100 dias após a eleição.
Ademais, qualquer cidadão brasileiro maior de idade tem a possibilidade de participar do TPS (Teste Público de Segurança), que se encontra em funcionamento desde 2019. Desde a primeira edição, nenhuma vulnerabilidade capaz de comprometer o resultado das eleições foi encontrada.
Durante a cerimônia de preparação das urnas, as entidades fiscalizadoras, dentre as quais se incluem partidos políticos, polícia federal, sociedade brasileira de computação, universidades e OAB, podem auditar até 6% das urnas já preparadas em cada zona eleitoral. O código-fonte das urnas é aberto para fiscalização e pode ser inspecionado cerca de um ano antes da data das eleições até a cerimônia de lacração dos sistemas, que acontece em agosto de cada ano eleitoral. Após a cerimônia, os executáveis utilizados são gravados em mídia não regravável e armazenados na sala cofre do TSE.
Há também um teste de integridade, realizado nas vésperas das eleições por entidades fiscalizadoras. As urnas selecionadas pelas entidades são retiradas dos locais de votação e encaminhadas a um local de auditoria. As urnas então são liberadas para identificação biométrica de eleitores voluntários de entidades verificadoras e em cédulas de papel. Após a conclusão do processo, é realizada uma comparação dos dados de voto para checagem. O processo é meticulosamente registrado em vídeo. Desde o primeiro teste de integridade, realizado em 2002, não foi observada qualquer discrepância nos resultados.
No dia da eleição, antes do início da votação, é realizado o Teste de Autenticidade, que consiste em uma verificação dos resumos digitais dos sistemas eleitorais de urnas instaladas em seções eleitorais.
Esses resumos, ou hashes, códigos únicos que correspondem especificamente a cada programa do sistema eleitoral, também estão disponíveis para consulta online por meio do endereço eletrônico: link.
Todos os votos são salvos no Registro Digital do Voto (RDV), protegido por camadas de segurança (assinaturas digitais, criptografia, hashes).
O Boletim de Urna também possibilita a recontagem e a verificação dos votos. A impressão do Boletim é realizada ao término da votação, em todas as urnas, apresentando a apuração de cada equipamento. A consulta desses dados é aberta ao público, permitindo a realização de apurações paralelas.
É possível checar as alterações nas páginas do TSE ao final de cada processo eleitoral utilizando ferramentas como o Way Back Machine, na seção “Changes“.
Após minha análise dos dados publicados após a eleição presidencial de 2022, não encontrei nenhuma alteração, nem qualquer outra informação sobre urnas com resultados unânimes ou discrepâncias em séries temporais.
Para a análise, utilizei as ferramentas Biostat, Digitizelt e Prism.
Atualmente, estou elaborando gráficos no software Qlik e planejo atualizar a publicação com os dados em breve.
3. Censura do STE a contestações dos resultados das urnas
Criar e divulgar fake news no Brasil é considerado crime, podendo ser punido de acordo com o código penal e outras leis específicas. Não encontrei dados sobre suposta censura de análises verificáveis, apenas a retirada de conteúdo comprovadamente falso sendo divulgado online.
Sugiro leituras sobre interferência internacional comprovada, como esse disponível no jornal francês Le Monde Diplomatique e posteriores leituras no tópico Cambridge Analytica.
A ligação da direita brasileira, notória divulgadora de notícias falsas sobre a segurança e validade das eleições brasileiras, com Steve Bannon é bem documentada e pode ser acessada amplamente, mas deixo aqui a sugestão de leitura de um texto disponível no El País.
4. Registro e contagem de votos
No dia da eleição, na abertura das seções, todas as urnas emitem a zerésima, um relatório em papel que contém a identificação única da urna e comprovante de que nela estão registrados todos os candidatos, além da prova de que todos os candidatos registrados tem o número de votos zerado.
Os votos são armazenados em duas mídias, uma memória interna e outra externa, afim de garantir redundância e a possibilidade de realização de processos de contingência em caso de defeito do equipamento e necessária substituição da urna. Todos os programas dentro da urna eletrônica possuem assinatura digital e os equipamentos são lacrados.
A mídia de resultado contém os dados de toda a votação, e ao final do processo é impresso cinco vias obrigatórias do boletim de urna (com a possibilidade de impressão de cinco vias adicionais). Das vias obrigatórias, uma é destinada à fiscalização, uma entregue ao presidente da seção eleitoral, duas anexadas à ata da sessão, que é enviada ao cartório eleitoral, e a última é fixada em local visível da seção eleitoral para apreciação pública.
Após a impressão do boletim de urna a mídia de resultado é enviada aos polos de transmissão, onde os dados são coletados pelo TSE através do Sistema Transportador.
Uma vez que as informações chegam ao servidor central, é feita verificação da assinatura digital e então verificações de inconsistência. Se houver divergência, como por exemplo no número de votos e na quantidade de eleitores que compareceram em cada seção, o boletim de urna é descartado.
A mesma versão do programa é usada em todos os locais de voto, incluindo os fora de território eleitoral e podem ser auditados para verificação de integridade e autenticidade.
Os dados de voto só podem ser lidos por equipamentos da Justiça Eleitoral, com chaves específicas para cada camada de segurança presente. Desta forma, a autenticidade dos votos é checada duas vezes, na zona eleitoral e no TSE, antes de serem incluídos na totalização.
Consegui acessar e verificar todos os dados da eleição de 2022 disponíveis no site do TSE e não encontrei nenhuma discrepância.